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Uma vez degradado, o Cerrado não se regenera naturalmente

Pixabay

Fonte

Agência FAPESP

Data

quarta-feira, 21 fevereiro 2018 10:00

Áreas

Agricultura, Biodiversidade, Conservação

A destruição do Cerrado constitui uma perda inestimável em termos de biodiversidade, pois, na microescala, esse bioma, que pode apresentar 35 espécies diferentes de plantas por metro quadrado, é mais rico em flora e fauna do que a floresta tropical (leia em: fapesp).

A rápida conversão do Cerrado em pastagens e lavouras e o manejo inadequado das áreas preservadas colocam em risco esse formidável recurso natural, em um país com o terceiro maior potencial hidrelétrico tecnicamente aproveitável do mundo, e em que 77,2% da matriz elétrica é suprida pela hidroeletricidade.

Sabe-se que o Cerrado tem um potencial de regeneração natural muito alto. Mas até que ponto vai sua resiliência? O que é necessário para que, uma vez convertido em pastagens, o Cerrado recupere sua configuração natural? Quanto tempo seria necessário para isso?

Um novo estudo, feito na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e com resultados publicados no Journal of Applied Ecology, procurou responder a essas perguntas.

“Nosso esforço inicial foi localizar, no Estado de São Paulo, as áreas de antigas pastagens que agora se encontram em regeneração natural na condição de ‘reserva legal’”, disse a coordenadora do estudo Dra. Giselda Durigan, professora da pós-graduação em Ciência Florestal da Unesp e pesquisadora do Instituto Florestal do Estado de São Paulo.

O trabalho foi realizado no âmbito do doutorado de Mário Guilherme de Biagi Cava, com Bolsa da FAPESP e orientação de Durigan.

“Foram encontradas mais de 80 áreas, o que pareceu de saída um dado bastante promissor. Mas o entusiasmo inicial de meu orientando foi arrefecido pela resistência dos proprietários em permitir o acesso às áreas para amostragem. E isso nos levou a uma primeira constatação: a de que o rigor das leis de preservação não tem sido acompanhado da necessária assistência que deveria ser prestada pelo poder público aos particulares para a restauração da vegetação”, disse.

Apesar do interesse social de uma pesquisa como essa, a oposição dos proprietários fez com que a amostragem fosse reduzida para 29 áreas, que haviam sido convertidas de Cerrado em pastagens, e foram posteriormente incorporadas como unidades de conservação ou reservas legais de empresas de reflorestamento, usinas e propriedades agropecuárias.

Nelas, foi feito o levantamento da vegetação, tanto das árvores quanto das plantas pequenas que compõem o estrato herbáceo-arbustivo e que constituem a maior riqueza da flora do Cerrado. Apesar de estarem localizadas em regiões diferentes, essas 29 áreas, com idades variando de quatro a 25 anos, puderam ser ordenadas em uma sequência cronológica no que se refere ao estágio de regeneração.

“Para resumir nossos resultados, de maneira bastante simplificada, descobrimos que o estrato arbóreo se recupera, até mesmo com muita facilidade. Mas, uma vez eliminada, a vegetação rasteira ou de pequeno porte, que compõe o estrato herbáceo-arbustivo e que contém a maior parte das espécies endêmicas, não se regenera. Então, quando a pastagem é simplesmente abandonada, ela se transforma, depois de algum tempo, em um cerradão, que é uma formação caracterizada por vegetação muito adensada, com grande predomínio de árvores e pobre em biodiversidade”, afirmou Durigan.

As árvores se recuperam por possuírem raízes muito profundas e terem evoluído, ao longo de milhões de anos, desenvolvendo a capacidade de rebrotar inúmeras vezes.

“Quem tenta implantar pastagens no Cerrado sabe que o custo maior de manutenção é a roçada. Sem que seja roçada pelo menos de dois em dois anos, a vegetação arbórea volta a se impor. Não é possível eliminá-la nem aplicando herbicida”, disse Durigan.

Porém o estrato herbáceo-arbustivo, que é removido para a implantação das pastagens, não se recompõe, devido à invasão dos terrenos por gramíneas exóticas muito resistentes e agressivas: as braquiárias.

“Essas só desaparecem com o sombreamento, causado pelo adensamento das árvores. Mas, quando desaparecem as gramíneas exóticas, as plantas originais de pequeno porte, que foram completamente erradicadas pelos herbicidas, pelas roçadas e pela competição com as braquiárias e que não toleram a sombra, também não voltam mais”, continuou a pesquisadora.

Para fazer com que a área voltasse a abrigar um cerrado típico, seria necessário eliminar as gramíneas exóticas, com manejo por meio de fogo associado a herbicida, e, depois, reintroduzir as espécies nativas. Mas isso constitui uma operação difícil e cara, que, com os recursos atuais, não pode ser realizada em larga escala.

“Temos pesquisado diferentes técnicas para promover a recuperação. Com sementes, é necessária uma quantidade gigantesca, que não há nem de onde tirar. O que deu muito certo, em escala experimental, foi o transplante do estrato herbáceo-arbustivo: a camada superficial do solo, acompanhada das touceiras de capim e das pequenas plantas”, disse Durigan.

“O grande problema é que, no Estado de São Paulo, já não há mais áreas-fonte para isso. O que sobrou de Cerrado aberto está invadido por gramíneas exóticas. Então, quando se transplanta a camada superficial do solo, a braquiária vai junto. Isso acontece inclusive nas áreas protegidas”, acrescentou.

Floresta degradada

O estudo feito na Unesp permitiu fechar um diagnóstico e fazer predições. Espontaneamente, uma vez degradado, o cerrado típico não se recompõe totalmente. Para que uma área de pastagem volte a ser um cerrado típico, com riqueza de biodiversidade, com a flora característica, com habitats para fauna especializada em savana, é necessário manejo humano: não se pode deixar que o adensamento das árvores passe do limiar de 15 metros quadrados por hectare; é preciso erradicar o capim exótico; e deve-se reintroduzir o estrato herbáceo-arbustivo nativo.

Evoluindo espontaneamente, sem manejo, em 49 anos a vegetação arbórea nas antigas áreas de pastagem irá se transformar em cerradão. A cobertura esparsa de solo característica do cerradão é alcançada em quatro anos e a biodiversidade pobre do estrato herbáceo é obtida em 19 anos. “O processo é rápido, mas os resultados não são os que procuramos. O cerradão não se distingue de uma floresta degradada”, disse Durigan.

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Fonte: José Tadeu Arantes  |  Agência FAPESP. Imagem: Pixabay.

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