Notícia
Cuidado quilombola: um olhar diferente sobre a saúde
Em estudo publicado na revista da Escola de Enfermagem da UFRJ, comunidade quilombola conta como o cuidado se relaciona com saberes tradicionais
Divulgação, PlantaCiência
Fonte
UFRJ | Universidade Federal do Rio de Janeiro
Data
quinta-feira, 9 fevereiro 2023 06:10
Áreas
Conhecimento Tradicional. Patrimônio Cultural. Saúde. Sociedade.
“Eu levo ele mais para ver as questões da vacina e também do peso e altura”, disse uma cuidadora do quilombo Santa Rita de Barreira, no Pará. Os saberes medicinais dos quilombolas, ligados à natureza e a crenças religiosas, reduzem a necessidade de buscar um posto de saúde para tratar as crianças da comunidade. As práticas tradicionais evidenciam uma relação diferente da visão ocidental entre o cuidado e o sistema básico de saúde.
O estudo ‘Práticas de cuidado em saúde com crianças quilombolas’, publicado na revista da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio de Janeiro, entrevistou 18 mulheres, entre 20 e 67 anos, que cuidam de crianças na comunidade. Setenta e oito por cento delas têm a agricultura de subsistência como forma de sustento e recebem menos de um salário mínimo por mês. A comunidade fica em São Miguel do Guamá, no nordeste do Pará, na zona rural da cidade. Mas os quilombolas compreendem que os cuidados de saúde envolvem carinho e atenção à criança.
A comunidade utiliza chás e banhos com folhas e raízes para tratar doenças gripais, febre e infecções. Azeites e gorduras de galinhas são para induzir respostas anti-inflamatórias. A benzedura evita que as crianças sejam afetadas por feitiços de seres míticos. Nesse contexto, o entendimento de cuidado não se restringe à medicalização e vai muito além. Dar banho, oferecer alimentação saudável, ter zelo com a casa são algumas das interpretações de cuidado apresentadas pelas entrevistadas na pesquisa.
Os cuidados com crianças são prioritariamente realizados por meio das práticas baseadas nos conhecimentos tradicionais, mas há também a utilização de medicamentos convencionais de forma associada à medicina nativa. Os tratamentos caseiros são a primeira opção, usados em larga escala e têm sua eficácia reconhecida.
Acesso aos serviços de saúde
O quilombo Santa Rita de Barreira fica afastado do centro urbano, a 10 quilômetros de uma Unidade de Saúde da Família. Apesar da aparente pouca distância, o acesso pelo transporte público é difícil. O ônibus só passa uma vez por dia e entre 6h30 e 7h00. Quem é do ‘interior’, como classifica uma entrevistada, chega cedo e precisa esperar até as 9h00 para começar a ser atendido. A dificuldade de marcar consultas também afeta a inserção dos quilombolas ao sistema formal.
Segundo Ana Kedma Pinheiro, doutoranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coautora do estudo, existe uma invisibilidade em relação aos quilombolas: “Eles acessam esse serviço quando as alternativas medicinais e o que eles compreendem de saúde já não está fazendo mais efeito e por uma consulta periódica que é agendada. Então, eles não conseguem conhecer a totalidade do serviço de saúde, por causa do processo de invisibilidade. O serviço de saúde deveria ser mais próximo da realidade quilombola.”
Por isso, vacinar, medir altura e peso são os principais usos do sistema básico. Lauro Nascimento, autor do estudo e residente de Enfermagem da Universidade do Estado do Pará (UEPA), acredita que os médicos precisam dar mais atenção às crianças que vão às unidades para exames de rotina: “Por serem da zona rural e por terem uma dinâmica de vida diferente, em que grau estou olhando essas crianças como diferenciadas e inseridas em um contexto de doenças infecciosas e parasitárias? Em nenhum momento, elas tiveram inclusão dentro das suas questões prioritárias, que precisam ser investigadas”.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS/IBGE), a quantidade de pessoas de zonas rurais que conseguiram todos os medicamentos receitados aumentou no Brasil. Em 2013, eram pouco mais de 7 milhões; em 2019, eram quase 9 milhões. Pretos e pardos que vivem no campo sempre foram a maioria em obter todos os remédios. Apesar da melhora em nível nacional, comunidades quilombolas sofrem com ausência de políticas públicas que garantam o direito à saúde plena.
Em 2009, foi instituída a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) com o objetivo de combater o racismo institucional e promover saúde a pretos e pardos, que são 56% da população brasileira, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2021. Doze anos depois, a PNSIPN foi implementada em apenas 32% dos municípios. Na cidade de São Miguel do Guamá, nenhuma ação prevista na política de saúde foi incluída no Plano Municipal de Saúde, segundo Pesquisa de Informações Básicas Municipais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Acesse o artigo científico completo.
Acesse a notícia completa na página da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Fonte: João Guilherme Tuasco, Conexão UFRJ. Imagem: Em comunidade quilombola no Pará, o cuidado com as crianças vai muito além da medicalização convencional. Fonte: Divulgação, PlantaCiência.
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