Notícia
Como convencer um país a não derrubar sua floresta tropical?
Efeito dominó pode levar políticos a esgotarem rapidamente os recursos naturais — ou a comprometerem-se com a conservação
NASA via Wikimedia Commons
Fonte
Universidade Stanford
Data
terça-feira, 17 outubro 2023 12:40
Áreas
Agropecuária. Conservação. Desmatamento. Direito Ambiental. Ecologia. Engenharia Florestal. Geografia. Monitoramento Ambiental. Políticas Públicas. Queimadas. Recursos Naturais. Sociedade. Sustentabilidade.
O Dr. Bård Harstad, professor de Economia Política na Escola de Negócios da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, diz aos seus alunos que todo problema ambiental é, em sua essência, um problema de ineficiência. “Essa ineficiência significa que, no geral, você está perdendo alguma coisa. Isso significa que há outra maneira de tomar decisões para que todos possamos estar em melhor situação”, destacou.
O professor Harstad passou grande parte da sua carreira como economista tentando encontrar formas mais eficientes de conservar os recursos naturais e abrandar as alterações climáticas. O seu objetivo, disse ele, “é estudar quais são as formas razoáveis e eficazes de definir políticas econômicas para resolver problemas ambientais – que também levem em conta os obstáculos políticos – para que se possam encontrar soluções que não sejam apenas eficientes, mas também politicamente viáveis”.
O artigo mais recente do Dr. Harstad, publicado na revista científica Journal of Political Economy, explorou os fatores políticos e econômicos que levam os governos a conservar ou explorar recursos finitos, como florestas tropicais ou reservas de petróleo. Ao desenvolver um novo modelo para analisar estes cenários, o professor Harstad descobriu um fenômeno que chama de ‘multiplicador de conservação’, que mostra como uma ligeira mudança no benefício futuro da conservação ou exploração pode afetar dramaticamente a política atual.
“A análise pode ser usada para explicar taxas de extração de recursos ineficientemente elevadas, mas, mais importante ainda, mostra como a comunidade mundial pode ter mais sucesso em motivar um governo a conservar”, disse o pesquisador.
Explorar ou não explorar?
O professor Harstad disse que originalmente queria se tornar engenheiro no setor de energia renovável. No entanto, à medida que aprendia mais sobre o desenrolar das crises ambientais no mundo, percebeu que os obstáculos que impedem a sociedade de resolver estes problemas não são tecnológicos. Eles são políticos.
Os modelos econômicos estabelecidos centram-se em encontrar a melhor forma de um governo extrair um recurso natural ao longo do tempo e tendem a assumir que os líderes agem no interesse em longo prazo dos seus países. Mas, segundo o professor, “esse tipo de modelo tradicional tem algumas deficiências”. Por exemplo, não considera os efeitos da elevada rotatividade política. Se um decisor recear estar prestes a perder poder, “poderá pensar que tem uma oportunidade única na vida de extrair o recurso”, levando-o a utilizá-lo mais rapidamente.
O seu novo modelo leva em conta as confusas realidades políticas que afetam as políticas de recursos, tais como o benefício que um partido no poder obtém da extração de um recurso, que pode variar com base nos níveis de corrupção ou nos sistemas de controles e equilíbrios. Também considera previsões sobre o futuro, tais como a probabilidade de um partido no governo permanecer no poder e quão fiáveis podem ser os pagamentos provenientes dos interesses de conservação.
Todos esses fatores contribuem para o multiplicador de conservação. Por exemplo, suponhamos que o atual governo de um país com uma floresta tropical acredita que o lobby agrícola pagará a um futuro governo para permitir que os produtores de carne bovina desmatem e queimem a floresta. Nesse caso, o governo terá maior probabilidade de explorar o recurso. De qualquer forma, isso acabará em breve, então por que não colher os benefícios agora? Neste cenário, a probabilidade de exploração no futuro provoca um aumento na exploração hoje. “Assim que o governo teme que o lobby pague pela exploração no futuro, torna-se atraente explorar agora”, disse o professor Harstad, “e de repente temos um efeito dominó, ou multiplicador”.
O pesquisador realizou uma calibração ilustrativa de seu modelo usando dados do Brasil das últimas duas décadas. Olhando para a política do país e as taxas de desmatamento, o Dr. Harstad calculou um multiplicador de conservação de cerca de 2. Isto significa que se se espera que os poderosos interesses agrícolas do Brasil aumentem a taxa de desmatamento futura num determinado montante, as atuais taxas de desmatamento aumentarão duas vezes esse montante.
O professor Harstad apontou o Equador como um exemplo de como o multiplicador de conservação pode influenciar o desejo de um governo de extrair um recurso, mesmo quando este é impopular. Em Agosto, o Equador realizou um referendo nacional sobre a produção de petróleo em certas áreas do Parque Nacional Yasuní, que faz parte da floresta amazônica. O presidente Guillermo Lasso defendeu mais perfurações, mas os equatorianos votaram pela suspensão da produção. Segundo o Dr. Harstad, “o multiplicador que surge no jogo de extração entre governos significa que o recurso é extraído mais rapidamente do que os eleitores gostariam. Se os eleitores pudessem decidir, prefeririam conservar com mais frequência do que o governo em exercício gostaria.”
O multiplicador também pode atuar a favor da conservação, dependendo das circunstâncias. É mais provável que um governo conserve se for pago para isso. Esta é a lógica por trás dos esforços de conservação, como o Programa REDD+ (Redução de Emissões resultantes do Desmatamento e da Degradação Florestal nos Países em Desenvolvimento) das Nações Unidas, que pagou aos países em desenvolvimento mais de 3 bilhões de dólares desde 2013 para deixarem as suas florestas intactas. Pagamentos de conservação fiáveis podem ter um efeito multiplicador na conservação hoje, uma vez que o atual governo de um país espera que os futuros governos também tenham um incentivo para conservar.
Quem paga pela conservação?
O Dr. Harstad tinha uma compreensão intuitiva de como a ameaça da exploração futura poderia desvendar os atuais objetivos de conservação quando, há cerca de cinco anos, se propôs a desenvolver o modelo descrito no seu novo artigo. Ele diz que desenvolvê-lo disciplinou seu pensamento, forçando-o a considerar como uma ampla gama de fatores influencia as questões de conservação. Confirmou a sua intuição sobre o multiplicador de conservação e serviu como um ‘trampolim’, permitindo-lhe levar o seu pensamento ainda mais longe.
Uma dinâmica surpreendente que o modelo trouxe à luz é um desequilíbrio de poder fundamental entre os lobbies pró-exploração e pró-conservação. Aqueles que desejam explorar um recurso natural só precisam vencer a luta uma vez para iniciar a extração. Depois que um campo de petróleo for completamente explorado, ele não será reabastecido. Depois que uma faixa de floresta tropical for desmatada para a criação de gado, ela poderá nunca mais se recuperar. Por outro lado, os conservacionistas devem convencer continuamente os decisores políticos a não ceder à tentação da exploração.
“Na economia, e também na política, muitos acadêmicos pensam que se houver grupos de pressão em ambos os lados da decisão, então a decisão final será equilibrada. Talvez a lição mais importante aqui seja que isto não é verdade quando se trata de extração de recursos”, disse o professor de Stanford.
Uma lição fundamental que se segue a partir do [conceito de] multiplicador de conservação é que, para que os pagamentos de conservação sejam utilizados com o seu efeito máximo, o beneficiário precisa saber que eles continuarão de forma fiável no futuro. “Não existe uma compreensão suficientemente profunda [entre os decisores políticos] sobre a importância de que a compensação futura pela conservação seja credível”, afirmou o Dr. Harstad.
Outra lição é que simplesmente oferecer dinheiro ao governo para não explorar um recurso pode não ser o caminho mais eficaz para a conservação. Outra opção é destinar fundos para serviços públicos para que beneficiem todo o país (em oposição a qualquer partido que esteja no poder num determinado momento). Os decisores políticos também poderiam empregar mecanismos que ‘amarrassem as mãos’ dos futuros governos – por exemplo, empréstimos que só devem ser reembolsados se um recurso for extraído. Tais contratos de dívida promovem a conservação diretamente, porque o governo que garante o empréstimo vai querer evitar o reembolso, e também indiretamente, porque o multiplicador de conservação mostra que quando os futuros governos têm uma motivação mais forte para conservar, o atual governo também terá maior probabilidade de conservar.
Uma análise desse tipo pode ser feita sobre os acontecimentos recentes no Brasil. Depois que o presidente Jair Bolsonaro assumiu o cargo em 2019, o desmatamento na floresta amazônica aumentou. O país natal do professor Harstad, a Noruega, suspendeu as suas contribuições para o Fundo Amazônia — um projeto REDD+ que visa prevenir o desmatamento. Além de interromper o fluxo de financiamento, não havia muito que a Noruega pudesse fazer. Se existisse um contrato de dívida, “teria sido muito mais difícil, ou muito mais dispendioso, para o presidente [Bolsonaro] permitir o aumento do desmatamento”, disse o professor. Atualmente ele está trabalhando em um artigo que explora a eficácia dos contratos de dívida – particularmente em países com elevada rotatividade política.
O pesquisador espera que o seu último artigo seja instrutivo para os decisores políticos que estão tentando desenvolver incentivos para que os países não esgotem os recursos finitos que beneficiam todo o planeta. “O Norte deve compensar o Sul pelo custo da conservação. A questão é como essa compensação deve ser estruturada para ser eficaz”, concluiu o Dr. Bård Harstad.
Acesse o artigo científico completo (em inglês).
Acesse a notícia completa na página da Universidade Stanford (em inglês).
Fonte: Julia Kane, Escola de Negócios da Universidade Stanford. Imagem: observação por satélite de desmatamento e queimadas no Brasil. Fonte: NASA via Wikimedia Commons.
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