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Efeitos das queimadas em Santa Catarina sobre os peixes e a vida humana
Somente em 2022, Santa Catarina teve 1.360 focos de incêndio ativos de fogo, sendo agosto o mês de maior incidência, segundo levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). No Brasil, as queimadas são um problema constante: entre 1986 e 2020, segundo dados do MapBiomas, uma área de 1,67 milhões de km² do país sofreu com o fogo.
Em dados locais, Santa Catarina também é bastante afetada. O Parque Estadual do Rio Vermelho, por exemplo, possui uma unidade de conservação de proteção integral que sofreu constantemente com queimadas nos últimos anos.
Enquanto os efeitos do fogo e das cinzas residuais sobre o solo e os organismos terrestres começam a ser mais amplamente explorados, ainda é limitado o número de estudos que avaliam como a biodiversidade do ambiente aquático responde à ocorrência de fogo e à chegada das cinzas à água. “Ano após ano, o ser humano tem registrado números recordes de incêndios, em áreas queimadas cada vez maiores, e eu sempre penso: essa quantidade imensa de cinzas que é gerada uma hora vai chegar no ambiente aquático, seja por ação da chuva ou do vento”, destacou o Dr. Bruno Renaly Souza Figueiredo, professor do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Aprovado no edital de chamada pública de 2021 da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC), no programa de jovens projetos, o professor conseguiu os primeiros recursos para dar início à pesquisa: ‘Impacto do fogo e das cinzas sobre a biodiversidade na água doce: respostas dos peixes, dos anfíbios e dos microinvertebrados e macrófitas ao distúrbio’.
Quatro impactos das queimadas em Santa Catarina
As queimadas naturais ocorrem em áreas secas, predominantemente em clima árido ou semiárido. O estado de Santa Catarina está localizado em uma região historicamente chuvosa e úmida, entretanto, os períodos de estiagem no estado estão cada vez mais longos e com o registro de temperaturas cada vez mais elevadas. Como resultado a vegetação resseca, e o fogo tem mais chance de ocorrer e de se propagar, atingindo vastas áreas.
Além disso, o ser humano tem provocado uma maior quantidade de incêndios, de maneira deliberada ou acidental, como a queimada ilegal realizada para supressão da vegetação e limpeza de áreas, fogo ateado na agricultura para facilitar a colheita ou na preparação do solo para a semeadura, e até mesmo após a queda de fios de transmissão de eletricidade de alta tensão sobre a vegetação seca. Seja qual for a origem do fogo, ela terá consequências negativas para a biodiversidade dos ambientes terrestres e aquáticos e também para o ser humano.
1. O estado já registrou 124 focos ativos de fogo em 2023
Segundo os dados do INPE detectados por satélite, Santa Catarina registrou no total 124 focos ativos de fogo nos últimos três meses: 35 em janeiro e fevereiro, e 54 em março. Isso provavelmente se deve às mudanças climáticas, que têm levado a estações secas mais longas e com o registro de temperaturas mais elevadas. Mas, certamente, esse resultado também está relacionado ao uso do fogo na agricultura: “É uma prática agrícola muito comum no Brasil; inclusive existe uma lei para proibi-la, mas ela ainda ocorre”, esclareceu o professor Bruno Figueiredo.
Os prejuízos das queimadas envolvem a retirada de nutrientes fundamentais do solo para o crescimento das plantas, desencadeamento de processo erosivo, aumento da liberação de dióxido de carbono e até mesmo a destruição de habitats naturais.
2. As cinzas do fogo prejudicam a biodiversidade aquática
O principal objetivo da pesquisa desenvolvida no Laboratório de Biodiversidade Aquática (LABIAQ) da UFSC é investigar como as cinzas oriundas das queimadas afetam diretamente a biodiversidade em rios e riachos. As cinzas podem chegar até a água, principalmente por ação da chuva, que lava o solo e pode carrear as cinzas, e pelo vento.
O professor explicou que a cinza pode matar: “a literatura científica tem revelado que as cinzas são uma substância complexa constituída por componentes químicos, como os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos e metais pesados, com potencial mutagênico e cancerígeno, que compromete a potabilidade da água para consumo humano, leva a uma grande mortandade de peixes, e reduz as contribuições da natureza para as pessoas”.
3. Queimadas causam a morte de peixes e o desaparecimento de espécies nativas
Resultados preliminares do estudo do professor Bruno mostraram que, em experimentação laboratorial, as espécies nativas de peixes presentes em rios e riachos são mais impactadas que as espécies exóticas invasoras. Esse resultado indica que a chegada de cinzas na água após um incêndio provoca a morte dos peixes nativos, mas não impacta fortemente as espécies exóticas invasoras, ameaçando a conservação da biodiversidade nativa.
O professor explicou que “geralmente, as espécies exóticas que são introduzidas nos rios e riachos do Brasil, são espécies nativas de outras regiões que possuem uma maior tolerância a alterações nas características ambientais”. O professor exemplificou que “a tilápia, por exemplo, é nativa do rio Nilo no Egito, e é muito resistente, e essa é uma das razões pela qual as pessoas a introduziram no Brasil”. Dessa maneira, como as espécies invasoras sobrevivem, elas começam a se reproduzir, e reduzem as chances das [espécies] nativas retornarem ao ambiente.
4. As cinzas causam células tumorais nos peixes
“A gente verificou um resultado intrigante, que é o número de células com alterações genéticas em peixes expostos às cinzas. Para mim, isso acendeu uma luz de alerta importante: pois se as cinzas têm a capacidade de impactar os peixes, elas também podem fazer o mesmo com o ser humano, que ingere uma água contaminada com partículas de cinzas ou ainda que se alimente de um peixe que viveu nessa água contaminada”, explicou o professor Bruno. A acumulação de metais pesados e a presença de componentes mutagênicos, e potencialmente também cancerígenos, nos peixes tem impactos ainda incertos sobre os indivíduos que consomem esses animais contaminados. Futuras pesquisas no laboratório coordenado pelo professor Bruno irão investigar esse tema.
O estudo desenvolvido é fundamental para entender de que maneira as cinzas interferem na biodiversidade aquática e como esses fatores chegam até nós: “pode ser que os metais pesados nos tecidos dos peixes acabem também sendo acumulados por quem se alimenta dos peixes dessa região contaminada por cinzas”, finalizou o pesquisador.
Acesse a notícia completa na página da Universidade Federal de Santa Catarina.
Fonte: Ana Beatriz Quinto e Denise Becker, Núcleo de Apoio à Divulgação Científica (NADC-UFSC).
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