Notícia

Agrointoxicação do planeta: poluição ambiental e a intoxicação dos organismos pelos pesticidas

Poluição ambiental e intoxicação dos organismos pelo uso crescente de antibióticos, hormônios, fertilizantes sintéticos e, sobretudo, pesticidas químicos

Pixabay

Fonte

Jornal da Unicamp | Universidade de Campinas  

Data

terça-feira, 4 setembro 2018 12:00

Áreas

Agricultura, Biodiversidade, Desmatamento, Gestão Ambiental, Queimadas.

Em consequência da aceleração das concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa, a temperatura média do planeta elevou-se desde 2016 pelo menos 1,1 oC acima do período pré-industrial, uma condição jamais experimentada pela civilização humana e demais espécies ao longo dos doze milênios do Holoceno. Os anos mais quentes desses 12 milênios são o triênio 2015-2017. O crescendo de incêndios, secas, inundações, quebras de safra e ondas de calor que estão assolando as mais diversas latitudes do planeta são anomalias que excedem em geral a variabilidade natural do sistema climático e são já provavelmente causadas, ou ao menos agravadas e tornadas mais frequentes, por essa nova situação climática.

A elevação da temperatura planetária e do nível do mar devem continuar se acelerando neste século pelo efeito combinado: (1) do desequilíbrio térmico do planeta, (2) das emissões cumulativas de GEE e (3) pela ação de alças de retroalimentação (efeitos dominó e círculos viciosos autoamplificantes) desencadeadas na própria dinâmica do sistema climático [III]. Um aquecimento médio global de 2 oC acima do período pré-industrial parece já inevitável e deve ocorrer nos próximos decênios, pois mesmo se as emissões de carbono fossem magicamente zeradas hoje e suas concentrações atmosféricas se mantivessem estáveis, “a atmosfera iria ainda se aquecer pelas próximas décadas, talvez por um século”, afirma, entre muitos outros, Greg Johnson, da National Oceanographic and Atmospheric Administration (NOAA) [IV].

Diante desse quadro extremamente ameaçador, ninguém pode se dar ao luxo de esmorecer. É preciso denunciar e repetir à exaustão que o destino das sociedades humanas depende de sua capacidade de combater e vencer, num prazo que se conta agora em um ou dois decênios, não mais, seus dois inimigos principais, verdadeiros xifópagos, íntima e inextricavelmente associados: (I) O complexo industrial gravitante em torno dos combustíveis fósseis. (II) O complexo industrial agroquímico de sementes e pesticidas.

A agrointoxicação do planeta: um problema sistêmico

O autor analisa a interferência deletéria do uso de agrotóxicos contra o meio ambiente e a saúde dos organismos – a poluição ambiental e a intoxicação dos organismos pelos pesticidas. Esse longo preâmbulo era imprescindível porque o complexo industrial agroquímico não é compreensível fora de sua dependência e interação com o complexo industrial centrado na produção de energias fósseis, a começar pelo fato que o petróleo é uma matéria-prima fundamental dos fertilizantes industriais e dos pesticidas [XX]. E era imprescindível também porque os fazendeiros que lançam pesticidas sobre suas plantações são apenas peças na engrenagem dos grandes boards do complexo agroquímico global.

O problema dos agrotóxicos é sistêmico. É preciso entender que seu uso crescente na agricultura brasileira e alhures decorre diretamente do modelo energético e agropecuário corporativo que detém as alavancas econômicas e políticas da economia global. É impossível, conservado esse modelo, descontinuar ou mesmo reduzir esse uso, pela simples razão que este se retroalimenta: os pesticidas provocam desequilíbrios sistêmicos que promovem seleções artificiais capazes, ao fim e ao cabo, de reforçar a tolerância das espécies visadas, ou a invasão de espécies oportunistas, por vezes tão ou mais ameaçadoras para as plantações que as espécies incialmente visadas. Os fazendeiros são, assim, num segundo momento, obrigados a aumentar as doses de agrotóxicos e/ou a combiná-los com outros em coquetéis cada vez mais tóxicos, à medida que as espécies visadas se tornam tolerantes à dose ou ao princípio ativo anterior.

A agroecologia é o único sistema capaz de alimentar a humanidade

É preciso desmontar essa guerra contra a natureza, suicida e de antemão perdida. E o primeiro passo para isso é denunciar a inverdade, martelada como um mantra pela indústria de agrotóxicos, de que o uso de agrotóxicos é um mal necessário. Seu emprego seria, nas palavras de Silvia Fagnani, vice-presidente executiva do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal – Sindiveg (que representa a indústria dos agrotóxicos) – “a única forma viável de suprir a demanda por produção de alimentos e energia necessária para alimentar nove bilhões de pessoas em 2050”[XXI]. Que tal declaração provenha de uma representante da indústria de agrotóxicos, eis algo bem previsível. Ela ecoa as palavras do Secretário da Agricultura dos EUA de Richard Nixon, Earl Butz, famoso por brandir essas palavras aos agricultores de seu país: “get big or get out”. Butz liquidou a agricultura do New Deal e foi um defensor feroz dos agrotóxicos e dos fertilizantes industriais, com tiradas do tipo: “Antes de regredirmos à agricultura orgânica neste país, alguém deve decidir quais 50 milhões de norte-americanos vamos deixar morrer ou passar fome” [XXII].

Essa “lenda corporativa” continua a ser bastante difundida ainda hoje, inclusive nos meios universitários brasileiros. Para Daniel Junqueira Dorta, Professor de Toxicologia e Química no Depto. de Química da FFCLRP/USP, por exemplo, “vários trabalhos” mostram que “a adesão a uma cultura totalmente orgânica é inviável, já que não conseguiria suprir toda a necessidade da população” [XXIII]. O argumento parece equivocado em ao menos três sentidos.

Em primeiro lugar, suprir as necessidades alimentares da população mundial neste século não depende da quantidade de alimentos produzidos, pois esta excede em muito nossas necessidades, como afirma reiteradamente a FAO e vários especialistas. Temos um problema de desperdício, de distribuição e de mau acesso à alimentação. Trata-se, antes de mais nada, de um problema de péssima distribuição de renda, um problema político e socioeconômico, e não atinente à esfera da produtividade agrícola stricto sensu.

Em segundo lugar, temos um problema de péssima distribuição da área agricultável. Dos 149 milhões de km2 de terras emersas existentes hoje no planeta, 104 milhões de km2 são grosso modo terras habitáveis pelo homem – excluídos os 15 milhões de km2 das geleiras e os 28 milhões de km2 de terras estéreis (Barren land). Desses 104 milhões de km2, 51 milhões de km2 (~50%) já são ocupados pela agropecuária, enquanto 39 milhões de km2 o são por florestas. Ocorre que desses 51 milhões de km2, nada menos que 40 milhões de km2 (77%) são ocupados por pastagens, uma área maior que a soma dos territórios da África (30,3 milhões de km2) e do Brasil (8,5 milhões de km2). A área ocupada pela produção vegetal não passa de 11 milhões de km2 (23%). Dado que a carne é muito ineficiente do ponto de vista energético, os 40 milhões de km2 de pastagens fornecem apenas 17% das calorias consumidas pela humanidade.

É preciso nos deter um momento nessa questão da ineficiência energética da carne, para bem avaliar a irracionalidade extrema desse desequilíbrio entre áreas destinadas à agricultura e à pecuária. Segundo Jonathan Foley, “apenas 55% das calorias presentes em safras agrícolas atuais seguem para a mesa das pessoas. O restante vira ração para animais (cerca de 36%) ou então se converte em biocombustíveis e produtos industriais (por volta de 9%)” [XXIV].

Agrotóxicos: a saúde humana sob ataque

O segundo passo para desmontar a engrenagem suicida do uso de agrotóxicos é denunciar a inverdade de que o uso de agrotóxicos é seguro para o trabalhador rural e para o consumidor. Os agrotóxicos são uma ameaça tremenda à saúde humana, mesmo nos níveis permitidos pelas legislações mais restritivas, o que não é o caso do Brasil. Em Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, Larissa Mies Bombardi, do Departamento de Geografia da FFLCH/USP, desenhou um quadro comparativo do uso de agrotóxicos no Brasil e na União Europeia, uma contribuição fundamental para se entender a escala dos riscos sanitários envolvidos no agronegócio brasileiro. O trabalho foi divulgado num artigo neste Jornal [XXXIII], ao qual remete para a descrição de alguns dos mais nefastos efeitos dos agrotóxicos na saúde das pessoas e do meio ambiente.

Há mais de trinta anos, desde pelo menos 1986 – para não falar do alerta de Rachel Carson relativo ao DDT (1962) –, as revistas especializadas publicam trabalhos e revisões conclusivas sobre a relação causal entre diversos tipos de pesticidas e enfermidades gravíssimas [XXXIV]. Em 18 de março de 2017 o editorial da revista Lancet Oncology não deixa margem a dúvidas a esse respeito [XXXV]: “A exposição crônica a pesticidas foi associada a diversas doenças, incluindo o câncer, disfunções de desenvolvimento e esterilidade. Populações tais como fazendeiros, trabalhadores rurais e os que vivem perto de plantações, especialmente mulheres grávidas e crianças são particularmente vulneráveis a esses compostos químicos. Além disso, os pesticidas são responsáveis por envenenamento agudo de mais de 200 mil pessoas no mundo todo por ano”.

No que se refere especificamente ao câncer, a associação a pesticidas tem sido claramente avertida pela International Agency for Research on Cancer (IARC), da OMS, e foi demonstrada já há mais de dez anos por uma revisão sistemática publicada por seis cientistas na revista Canadian Family Physician, em que lemos [XXXVII]: “A maior parte dos estudos sobre linfoma não-Hodgkin e leucemia mostraram associações positivas com exposição a pesticidas. Algumas mostraram relações entre dose e resposta, e outras foram capazes de identificar pesticidas específicos. A exposição de crianças e mulheres grávidas a pesticidas foi associada positivamente a cânceres estudados em alguns artigos, assim como a exposição a pesticidas de pais em locais de trabalho. Muitos estudos mostraram associações positivas entre pesticidas e tumores sólidos. As associações mais consistentes foram encontradas em cânceres no cérebro e na próstata”.

Os agrotóxicos não foram apenas associados ao câncer e às demais doenças acima relatadas, mas também à baixa do QI, ao autismo e à neurodegeneração. Como afirma, por exemplo, um estudo publicado por Brandon Pearson e coautores na Nature Communications em 2016 [XXXVIII]: “exposição gestacional a pesticidas, incluindo proximidade maternal à aplicação de pesticidas e vazamentos foi reproduzidamente associada a risco acrescido de desordem do espectro autista (ASD) em estudos epidemiológicos”.

Acesse a notícia completa no site do Jornal da Unicamp.

Fonte: Luiz Marques, Jornal da Unicamp. Imagem: Pixabay.

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