Notícia

Expansão da agropecuária no Cerrado pode impactar intensidade de incêndios no Pantanal

Análise que coletou dados dos últimos 20 anos mostra que manejo do solo para atividade de agropecuária influencia quantidade de água transportada entre os dois biomas

Marcella Montenegro via Wikimedia Commons

Fonte

Jornal da Unesp

Data

quarta-feira, 21 agosto 2024 14:25

Áreas

Biodiversidade. Biomas. Clima. Conhecimento Tradicional. Ecologia. Engenharia Florestal. Geociências. Geografia. Monitoramento Ambiental. Queimadas. Recursos Naturais. Sensoriamento Remoto. Sustentabilidade.

Em uma pesquisa recente, publicada na revista científica Wetlands, um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) identificou, nas mudanças do uso da terra ocasionadas pela expansão do agronegócio pelo Cerrado, um dos possíveis fatores que respondem pela intensificação dos incêndios em terras pantaneiras. O artigo analisa as mudanças observadas no Cerrado e no Pantanal ao longo de duas décadas, entre 2000 e 2020.

Segundo os estudiosos, a conversão das terras do Cerrado para a atividade agropecuária tem resultado no acúmulo de sedimentos dos rios da região. Alguns desses corpos hídricos se propagam até o Pantanal, e têm lá suas águas drenadas. Porém, a presença dos sedimentos que são transportados impede que a água chegue às planícies alagáveis com a mesma intensidade. O resultado é um ambiente mais seco, e consequentemente mais propenso a incêndios.

Desde o começo deste ano, os incêndios atingiram mais de 1,3 milhão de hectares do Pantanal, segundo dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Informações do MapBiomas Brasil apontam que a área queimada no primeiro semestre de 2024 aumentou 529% em relação à média dos anos anteriores, cravando um novo recorde de destruição.

O fogo ocorre de maneira natural no ambiente. No passado, povos indígenas, pantaneiros e outras comunidades tradicionais empregavam o uso de queimadas, iniciadas deliberadamente, com objetivos como o manejo e a renovação dos pastos. O cenário hoje, no entanto, é de um avanço descontrolado das chamas.

Parte das causas para esse descontrole está nas mudanças ocorridas nas dinâmicas da região. Marcado como a maior área úmida continental do planeta, o Pantanal tem como característica as inundações periódicas que ocorrem durante a estação úmida, de outubro a março. Durante esse processo, o ambiente acumula matéria orgânica. Nos períodos de seca, entre os meses de abril e setembro, essa massa acumulada serve como combustível para o fogo deflagrado por humanos. Esse efeito, entretanto, é intensificado em anos de secas mais severas, e a hipótese é que essa intensificação leve aos picos de incêndios observados em 2020 e 2024.

Segundo estudo divulgado pelo MapBiomas em 2024, o Pantanal tem se tornado uma região cada vez mais seca, em virtude de diversos fatores. Em 2023, os níveis de água e precipitação estavam 61% abaixo da média histórica. Seguindo a tendência, o ano de 2024 foi o que registrou menos chuvas desde 2020, o que também contribuiu para as condições de seca extrema.

O equilíbrio de um bioma e dos ecossistemas nele presentes depende de uma miríade de interações que, muitas vezes, fogem do senso comum. Enquanto a diminuição de chuvas e aumento das secas marca uma relação imediata e lógica, a busca de outros mecanismos que interferem nos incêndios do Pantanal revelou conexões menos evidentes.

Nesse sentido, foi com surpresa que a Dra. Klécia Gili Massi, pesquisadora do Instituto de Ciência e Tecnologia da Unesp (ICT-Unesp), campus São José dos Campos, descobriu que existiam hipóteses sobre uma possível relação entre o uso de solo no Cerrado para o agronegócio e as queimadas no Pantanal.

Sem encontrar pesquisas que corroborassem a ideia naquele momento, a engenheira florestal aproveitou o interesse da mestranda Fabrícia Cristina Santos e os conhecimentos em sensoriamento remoto do seu colega Dr. Rogério Galante Negri, também pesquisador do ICT-Unesp e orientador da estudante, para verificar se esses acontecimentos estavam, de fato, conectados de alguma forma.

Os rios levam terra do Cerrado para o Pantanal

Para o estudo, o grupo olhou para as sub-bacias hidrográficas de Itiquira, Taquari e Negro de Mato Grosso do Sul. Todas as três contam com rios que vão do Cerrado ao Pantanal e, por isso, foram consideradas boas candidatas. Com a observação da dinâmica das águas, poderia ser possível encontrar uma das peças que influenciam nas secas em regiões pantaneiras.

Em 2023, o Cerrado foi o bioma mais desmatado do país, principalmente devido à expansão das atividades de agropecuária. É  o que aponta o Relatório Anual do Desmatamento do Brasil (RAD), que também é produzido pelo MapBiomas. Segundo a Dra. Klécia Massi, quando o solo é revolvido para fins de pecuária, ou para a prática da agricultura em larga escala, ele fica exposto à erosão, que muitas vezes ocorre por conta da ação dos ventos ou da chuva. A situação é agravada quando se fala de lavouras anuais, como é o caso da soja.

“Esse tipo de cultivo obriga que em um período de tempo muito curto, de um ano, o solo seja muito revolvido. Tanto no momento do plantio propriamente dito, como também antes, no preparo da terra e, depois, na etapa da colheita. O que ocorre não é apenas a retirada da vegetação nativa, mas também a perda de um solo que demorou milhões de anos para se formar”, explicou a professora.

A pesquisa foi feita usando dados de sensoriamento remoto dos últimos 20 anos, entre 2000 e 2020. Nesse intervalo de tempo, o grupo coletou três informações centrais: a primeira, relacionada à conversão e uso do solo no Cerrado, para ver de que maneira evoluiu a atividade agropecuária na região; outro dado foram os focos de incêndio – o grupo identificou quatro picos dentro do intervalo analisado, em 2001, 2005, 2012 e 2020; por fim, a última informação que deveria ser coletada era relacionada aos corpos hídricos.

Partindo do conhecimento de que o assoreamento torna os rios mais estreitos, os pesquisadores empregaram as imagens geradas por satélite das três bacias estudadas a fim de monitorar as alterações. E constataram mudanças ao longo do período. Os rios do Pantanal reduziram de tamanho entre 2000 e 2001, se mantiveram estáveis até 2013, passaram por um aumento até 2015 e, depois, voltaram a diminuir até o final de 2020.

O fogo não é o inimigo

A pesquisadora defende que uma possível solução para controlar os incêndios no Pantanal seria voltar a manejar o fogo com técnicas semelhantes às utilizadas por pantaneiros e outras comunidades tradicionais da região.

Historicamente, essas populações usavam o fogo de maneira controlada e em pequenas áreas, tanto como forma de incentivar a renovação da vegetação, como também para eliminar parte da matéria orgânica acumulada – o que evitava grandes incêndios.  “Isso passa por pensar formas para usar o fogo a nosso favor em um ecossistema onde ele ocorria naturalmente e que têm adaptações para isso; as plantas do Pantanal têm grande capacidade de rebrota, armazenam muita água e têm cascas grossas; os animais conseguiam evitar as regiões das queimadas, porque elas aconteciam em áreas menores e duravam menos tempo”, afirmou a pesquisadora.

Acesse o resumo do artigo científico (em inglês).

Acesse a reportagem completa na página do Jornal da Unesp.

Fonte: Malena Stariolo, Jornal da Unesp. Imagem: Queimada no Pantanal. Fonte: Marcella Montenegro via Wikimedia Commons.

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