Notícia

Nova metodologia facilitará identificação de mercúrio em animais e pessoas na Amazônia

Estudo mostrou que um quinto dos peixes consumidos nas grandes cidades amazônicas apresenta níveis do metal superiores aos limites estabelecidos pela OMS

Pedro Devani via Wikimedia Commons

Fonte

Jornal da UNESP

Data

quinta-feira, 24 agosto 2023 15:00

Áreas

Biologia. Bioquímica. Biotecnologia. Ciência Ambiental. Ecologia. Hidrologia. Materiais. Metaloproteômica. Microbiologia. Monitoramento Ambiental. Políticas Públicas. Recursos Hídricos. Saneamento. Saúde. Sociedade. Toxicologia.

Na maior floresta tropical do mundo, os efeitos da intervenção humana no ambiente são cada vez mais intensos e abrangentes, alcançando, inclusive, a escala microscópica. Um exemplo é a intoxicação por mercúrio, que hoje afeta tanto a fauna local quanto as populações que habitam a região. Uma vez que esteja disponível no ambiente, o mercúrio pode ser incorporado à alimentação dos animais e se agregar à cadeia alimentar, intoxicando as pessoas que consomem peixes que ingeriram mercúrio.

Estudo desenvolvido pela Fiocruz com a colaboração de instituições amazonenses revelou que os peixes dos principais centros urbanos da Amazônia estão contaminados por mercúrio. A pesquisa, divulgada em maio deste ano, apontou que mais de um quinto (21,3%) dos peixes utilizados para alimentação e comercialização apresentaram níveis acima do limite estabelecido pela Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO/WHO) e pela Agência de Vigilância Sanitária brasileira (Anvisa), referente à uma quantidade de 0,5 µg/g (microgramas de mercúrio por grama de peixe).

A presença do mercúrio cada vez mais evidenciada na região está relacionada às atividades de garimpo e, possivelmente, à construção de usinas hidrelétricas, como a de Jirau, localizada no rio Madeira, responsáveis por movimentar o sedimento dos rios onde há mercúrio decantado. É justamente nessa área que têm se concentrado os estudos de um grupo de pesquisadores, coordenados pelo Dr. Pedro de Magalhães Padilha, professor do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (UNESP) no campus de Botucatu, ao longo dos últimos dez anos.

Por meio de uma técnica inovadora que integra métodos bioquímicos e químicos, o professor Pedro Padilha tem buscado maneiras de encontrar potenciais proteínas que sirvam como biomarcadores de mercúrio. Como o nome sugere, os biomarcadores são certos elementos presentes em sistemas biológicos que fornecem informações mensuráveis sobre saúde, doenças ou exposição a fatores ambientais. Por meio de sua identificação, é possível não apenas apontar a presença do mercúrio no organismo como também identificar e localizar as proteínas nas quais o mercúrio está presente.

Segundo o pesquisador, a motivação para a pesquisa veio da constatação da facilidade com que o mercúrio é absorvido pela vida aquática, e o risco que isso implica para os habitantes da Amazônia. “O consumo de peixes representa a principal fonte de contaminação por mercúrio para as populações tradicionais, que têm o pescado como a principal fonte de alimentação proteica”, destacou o pesquisador. O Dr. Pedro Padilha disse que o uso dos biomarcadores permitirá identificar com antecipação a existência de risco de exposição humana ao mercúrio num determinado contexto: “Esse conhecimento possibilitaria a adoção de ações preventivas, prevenindo o adoecimento e gastos significativos com saúde”.

Mercúrio, garimpo e intoxicação

De maneira geral, a Amazônia concentra 94% da área garimpada brasileira. Estima-se que, deste total, cerca de 50% correspondem a instalações de garimpo ilegal, situadas em Terras Indígenas (TI) e Unidades de Conservação (UC). Ao longo dos anos, os números explodiram: nas últimas três décadas a área de garimpo na Amazônia teve uma expansão de 300% em UCs e de, praticamente, 500% em TIs. Embora o garimpo seja uma das principais atividades responsáveis pela contaminação de rios com mercúrio, a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e do Jirau, em 2010, também causou muita preocupação. “Quando se constrói uma hidrelétrica, o ambiente é muito impactado porque todas as características do rio são alteradas. No caso do [rio] Madeira, a preocupação era justamente aquelas espécies mercuriais, que estavam depositadas no sedimento de fundo do rio e que, com essa mudança, poderiam ficar disponíveis”, explicou o professor.

Além de altamente tóxico, o mercúrio também apresenta um efeito acumulativo, conhecido como biomagnificação. Esse fenômeno ocorre quando há o acúmulo progressivo de uma substância ao longo da cadeia alimentar. Ou seja, as quantidades de mercúrio presentes em um peixe pequeno somam-se àquelas presentes em um peixe maior, que se alimenta do menor, e assim sucessivamente. Dessa forma, peixes carnívoros e maiores tendem a apresentar uma maior concentração de mercúrio do que os de menor porte, ou que simplesmente não se alimentam de outros animais. Por fim, quando uma pessoa se alimenta de um peixe ela consome, também, o mercúrio acumulado ao longo de toda a cadeia.

Pensando nisso, ao longo dos 12 anos de projeto, os pesquisadores voltaram sua atenção para as espécies de peixes mais consumidas na região, como o tucunaré, o tambaqui, a corvina, a piraíba e a dourada, entre outras, e buscam identificar nelas aquelas proteínas nas quais o mercúrio consegue se ligar. Esse conhecimento permite estimar os desequilíbrios que podem ser ocasionados por essas ligações.

Com esse objetivo, o grupo aperfeiçoou a metodologia da metaloproteômica, realizando a pesquisa em três momentos. A partir de amostras do tecido muscular e hepático dos peixes, os pesquisadores fracionaram o proteoma, o conjunto de proteínas do músculo e do fígado para, posteriormente, identificar as proteínas associadas ao mercúrio. Essa etapa permitiu mapear a presença do mercúrio nos spots proteicos fracionados. Uma vez que isso foi solucionado, o próximo passo envolveu identificar as proteínas associadas ao mercúrio. Em artigo recentemente publicado na revista científica Chemosphere, o grupo identificou 21 proteínas como potenciais biomarcadores de mercúrio.

Atualmente, por meio de um projeto financiado pelo CNPq e pelo Ministério da Saúde, os pesquisadores conduzem pesquisas também em humanos. O objetivo é identificar as proteínas associadas ao mercúrio que se expressam tanto nos peixes como nos residentes das populações tradicionais amazônicas. A intenção é conseguir individualizar uma única proteína que apresente a melhor performance como biomarcador.

Acesse o resumo do artigo científico (em inglês).

Acesse a reportagem completa na página do Jornal da UNESP.

Fonte: Malena Stariolo, Jornal da UNESP. Imagem: Rio Madeira. Fonte: Pedro Devani via Wikimedia Commons.

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