Notícia
Experimento reativa vírus de 48 mil anos e alerta para retorno de microbiota da era do gelo ao convívio humano
Quantidades gigantescas de microrganismos, hoje aprisionados no subsolo do Ártico, deverão ser liberadas devido ao aquecimento global nas próximas décadas: estudos em andamento procuram mapear possíveis impactos, e se haverá riscos para a humanidade
Dr. Jean-Michel Claverie/IGS/CNRS-AMU
Fonte
Jornal da Unesp
Data
segunda-feira, 22 maio 2023 06:05
Áreas
Biodiversidade. Biologia. Biotecnologia. Ecologia. Geociências. Geografia. Microbiologia. Mudanças Climáticas. Saúde. Sociedade.
Há 48 mil anos, boa parte do planeta passava por frio extremo na mais recente Era do Gelo, coberto de neve e cortado por grandes geleiras. Sobre sua superfície se deslocavam animais imensos e estranhos, como rinocerontes-lanudos, alces gigantes e preguiças do tamanho de elefantes, e a humanidade dispunha apenas de ferramentas de pedra polida para sustentar seu modo de vida de caçador coletor nômade. Agora, graças à combinação de avanço tecnológico e mudança climática, um minúsculo fragmento daquele mundo perdido varou as eras e reapareceu em pleno ano de 2023, na forma de um vírus. Denominado Pandoravirus yedoma, ele permaneceu quase quinhentos séculos oculto no subsolo da Sibéria até ser reativado por um experimento de laboratório.
O autor da proeza foi o francês Dr. Jean-Michel Claverie, professor aposentado de genômica na Escola de Medicina da Universidade Aix-Marseille em Marselha, na França. Ele é também o primeiro autor de um artigo divulgando o feito, publicado este ano na revista científica Viruses. Na verdade, ele e sua equipe de colaboradores trabalharam com 13 cepas de vírus, de idades diferentes, coletadas em sete pontos da região do Ártico da Sibéria, e mostraram que elas poderiam voltar a infectar outros seres vivos – no caso, amebas especialmente cultivadas em laboratório para o experimento.
Um dos fatores que permitiu esse ressurgimento são as consequências do processo de mudança climática e de aquecimento global, cada vez mais intensas. O conjunto das áreas do planeta que contém água em estado sólido é denominado criosfera. Entre os elementos da criosfera estão as áreas permanentemente cobertas por gelo que, estima-se hoje equivalerem a 10% da área da Terra, e camadas subterrâneas de solo congelado, denominadas permafrost. A elevação da temperatura tem resultado no derretimento do gelo superficial, principalmente do Ártico e também do permafrost. É de lá que estão vindo esses vírus. No ritmo em que avança o derretimento do Ártico, a previsão é que quantidades colossais de microrganismos sejam liberadas nas próximas décadas. O desafio dos cientistas agora é compreender e antever quais podem ser as consequências da reativação desses microrganismos para as dinâmicas do planeta, e para a humanidade.
Estudo preventivo com antibióticos
Dentro do campo das possibilidades, outro sinal de alerta recente foi dado por pesquisadores do Instituto de Genética Molecular Kurchatov e pelo Centro de Pesquisas em Biotecnologia, ambos da Rússia. Os cientistas russos, em seus laboratórios, pesquisaram a relação que pode existir entre microrganismos congelados há milhares ou milhões de anos com os antibióticos do século 21.
“As bactérias que estudamos foram isoladas do permafrost com idade entre 15 mil e 1,8 milhão de anos, mas tinham muito em comum com as cepas modernas. Os resultados mostraram que a situação é assustadora. O aquecimento global pode ser retardado, mas nunca interrompido, e o processo pode resultar em novas infecções. Um estudo desses potenciais patógenos, que neste momento estão enterrados no permafrost, pode salvar nossas vidas e saúde no futuro”, afirmou o Dr. Nikolai Ravin, chefe do Laboratório de Clonagem Molecular do Centro de Pesquisa em Biotecnologia da Rússia.
Os grupos de pesquisa russos analisaram o comportamento, por meio de análises genômicas, da bactéria Acinetobacter woffii. A espécie analisada não é patogênica e está atualmente presente em vários habitats no planeta. Mas outras representantes do mesmo gênero, com cargas genéticas bastante semelhantes, são associadas a surtos de infecção hospitalar pelo mundo afora. Mais uma vez, como defendem os pesquisadores russos, o caminho é investir em pesquisa.
Acesse o artigo científico completo (em inglês).
Acesse a notícia completa na página do Jornal da Unesp.
Fonte: Eduardo Geraque, Jornal da Unesp. Imagem: amostra de Pithovirus sibericum com 30 mil anos de idade recolhida no permafrost em 2014. Fonte: Dr. Jean-Michel Claverie/IGS/CNRS-AMU.
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