Notícia
Pesquisadores alertam para efeitos tóxicos de fármaco para o diabetes em ecossistemas aquáticos
Estudo ibérico concluiu que presença de fármacos como a metformina nas águas pode induzir efeitos adversos em espécies como o peixe-zebra
Marrabbio2 via Wikimedia Commons
Fonte
Universidade do Porto
Data
domingo, 26 fevereiro 2023 12:30
Áreas
Biodiversidade. Biologia. Ciência Ambiental. Ecologia. Ecossistemas. Monitoramento Ambiental. Qualidade da Água. Química. Saúde Ambiental. Toxicologia.
Uma equipe de pesquisadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) e da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), em Portugal, em colaboração com outras instituições em Portugal (UTAD) e na Espanha (Universidade de Santiago de Compostela) publicou recentemente um estudo na revista científica Environmental Science & Technology, no qual alerta para o impacto negativo da metformina– um fármaco amplamente usado para controlar os níveis de açúcar no sangue em pessoas com diabetes – sobre os ecossistemas aquáticos.
Em um contexto marcado pelo crescimento exponencial do diabetes e, como resultado, da prescrição de fármacos para controlar a doença, são também cada vez maiores as quantidades de metformina que atingem continuamente os ambientes aquáticos. A metformina é um dos produtos farmacêuticos detectados com maior frequência e em elevada concentração nas águas de todo o mundo.
A preocupação é grande, dado que os organismos aquáticos estão expostos a este fármaco durante todo o seu ciclo de vida. Por outro lado, pouco se sabe ainda sobre os riscos para a saúde dos ecossistemas aquáticos. Mas a metformina, tal como como muitos outros fármacos, mostrou ser uma molécula bioativa que atua mesmo em concentrações muito baixas.
Valores preocupantes
Através do estudo desenvolvido no âmbito do projeto NOR-WATER, liderado pelo CIIMAR (com financiamento do programa INTERREG V-A Espanha- Portugal (POCTEP), os pesquisadores pretenderam avaliar o impacto da metformina nos ecossistemas aquáticos e assim contribuir para uma melhor avaliação do risco ambiental deste fármaco.
Para tal, o peixe-zebra foi usado como organismo modelo numa exposição de longa duração a níveis de metformina ambientalmente relevantes.
Os resultados não deixam dúvidas: a metformina apareceu como um destes contaminantes mais frequentemente detectados na água das bacias hidrográficas estudadas, em concentrações médias acima de 400 ng/l [nanogramas por litro]. Um valor que, de acordo com os investigadores, induz já um conjunto de efeitos adversos no peixe-zebra.
Segundo os dados encontrados na literatura, a concentração média de metformina em águas superficiais de todo o mundo aumentou significativamente entre 2006 (100 ng/l) e 2022 (2.362,9 ng/l). Como consequência, a última revisão feita pela União Europeia da lista de substâncias prioritárias que constam da diretiva quadro da água, propôs a integração da metformina como substância prioritária, o que reflete a necessidade urgente de avaliar o risco deste fármaco para a saúde dos ecossistemas aquáticos.
No entanto, de acordo com a última revisão desta lista, a previsão de concentração de metformina que não produz efeitos nos organismos aquáticos (PNEC) é de 1.030 μg/l [microgramas por litro]. Já o nível máximo proposto para concentração de metformina no ambiente considerado seguro, levando em consideração as normas de qualidade ambiental (EQS), é de 160 μg/l (ou seja, 160.000 ng/l).
O presente estudo detectou impactos significativos em concentrações de 390 ng/l (ou seja, 0,39 μg/l), ou seja, várias ordens de magnitude inferiores aos valores de PNEC e EQS propostos. Segundo os autores, a lista de substâncias prioritárias precisaria assim de “uma revisão e atualização para valores mais seguros”.
A qualidade ambiental em questão
Existem ainda muitas lacunas sobre o conhecimento dos impactos ecológicos da metformina nos ecossistemas aquáticos. No entanto, as concentrações atuais de metformina encontradas no ambiente impactam significativamente vários processos biológicos do peixe-zebra, colocando em risco a saúde dos ecossistemas.
Concentrações tão baixa como 390 ng/l afetaram a sobrevivência dos estádios iniciais da espécie-modelo, alteraram o crescimento ao longo do seu ciclo de vida e diminuíram o sucesso reprodutivo. Também foi observada uma indução massiva da expressão gênica da vitelogenina nos machos. A vitelogenina é um precursor de lipídios e proteínas que compõem a maior parte do conteúdo nutricional do vitelo dos embriões e cujo gene é previsto expressar em níveis elevados apenas nas fêmeas. Assim, a indução deste gene nos machos aponta para um efeito feminilizante severo da metformina em concentrações muito baixas.
Ainda, os resultados da análise do transcriptoma, ou seja, da expressão dos genes, do peixe-zebra exposto à metformina, revelaram que esta atua como um desregulador endócrino com potencial estrogênico, desregulando genes e vias metabólicas associadas a funções reprodutivas.
Segundo a Dra. Teresa Neuparth, coautora do estudo e pesquisadora do grupo de ‘Disruptores Endócrinos e Contaminantes Emergentes’ (EDEC) do CIIMAR, “os critérios de qualidade ambiental propostos para a metformina estão longe de proteger a saúde ambiental e, como tal, deveriam ser atualizados para valores mais seguros, tendo em conta este e outros estudos de avaliação em exposições crônicas de longa duração”.
Acesse o artigo científico completo (em inglês).
Acesse a notícia completa na página da Universidade do Porto.
Fonte: Agnès Marhadour, CIIMAR. Imagem: Peixe-zebra. Fonte: Marrabbio2 via Wikimedia Commons.
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