Notícia
Raízes mais finas do mundo são ‘armas subterrâneas’ na competição ecológica
Ecologistas mostraram que sistemas radiculares ocultos sob o cerrado sul-africano são a resposta para um quebra-cabeça biológico
Dr. Mingzhen Lu, Universidade Princeton e Instituto Santa Fe
Fonte
Universidade Princeton
Data
quinta-feira, 17 fevereiro 2022 06:35
Áreas
Biodiversidade. Biologia. Botânica. Ecologia.
Em um novo estudo publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), os ecologistas Dr. Lars Hedin e Dr. Mingzhen Lu, da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, mostraram que os sistemas radiculares ocultos sob o cerrado sul-africano são a resposta para um quebra-cabeça biológico.
“Nos últimos 400 milhões de anos, desde que as plantas se mudaram dos oceanos para colonizar a terra, as raízes têm sido o motor que impulsiona o ciclo da água, o ciclo dos nutrientes, o ciclo do carbono em todo o mundo”, disse o Dr. Mingzhen Lu, autor principal do novo estudo, doutor em Ecologia e Biologia Evolutiva pela Universidade Princeton e agora pesquisador no Instituto Santa Fe, também nos Estados Unidos.
O Dr. Lars Hedin, professor de Biologia da Universidade Princeton, explicou: “Estas são as raízes mais finas do mundo e, essencialmente, guardam o segredo da biodiversidade na escala de bioma”. As raízes encontradas pelos pesquisadores são tão finas e tão longas que uma única raiz ter o comprimento de 15 campos de futebol e pesar apenas um grama.
Essas raízes estão subjacentes ao bioma Fynbos, um cerrado seco na África do Sul que é o bioma ecologicamente mais rico do mundo fora dos trópicos, com mais de 7.000 espécies diferentes de plantas, das quais a grande maioria não existe em nenhum outro lugar. E em um mistério biológico de longa data, o bioma Fynbos existe lado a lado com árvores altas no bioma de floresta afrotemperada que têm apenas um décimo de sua diversidade.
O Dr. Mingzhen Lu descreveu a surpreendente nitidez dos limites entre os biomas: “No verão, você é queimado pelo sol em Fynbos, então você dá um passo na floresta e está no meio das árvores. É como uma chave binária, zero ou um. De repente, você está em outro mundo”, disse o pesquisador.
Por mais de 100 anos, os ecologistas debateram o que produz esses ecossistemas surpreendentemente contrastantes. A separação nítida foi ainda mais intrigante porque os dois biomas compartilham uma geologia subjacente e as mesmas condições climáticas. Para responder à pergunta, os pesquisadores realizaram um experimento de quatro anos, envolvendo 40 fases nas quais eles manipularam os nutrientes do solo e a capacidade das mudas florestais de competir com a comunidade de plantas nativas de Fynbos. E eles descobriram que os dois biomas existem como estados estáveis alternativos nas mesmas condições ambientais.
“Alguns sistemas podem existir em diferentes estados – como água e gel. Isso os torna especialmente interessantes como modelos para mudanças dramáticas, porque podem mudar de um estado para outro em resposta a perturbações, o que é especialmente urgente em um mundo sob estresse pelas mudanças climáticas”, explicou o professor Hedin.
Nesse ambiente, as raízes notavelmente finas são uma estratégia competitiva. Elas permitem que as plantas resistentes prosperem no solo mais pobre do mundo – com uma areia de quartzo quase pura.
O Dr. Lars Hedin citou a teoria dos jogos para descrever a competição ecológica: “Estamos levando os princípios da teoria dos jogos para um sistema biológico, e isso pode explicar o surgimento de padrões de biodiversidade. O que é novo aqui é que as raízes – as mais finas do mundo – realmente desempenham um papel central neste jogo. Porque se você as tiver e eu tentar invadir [sua área] com minhas raízes mais grossas, você vai capturar cada átomo de nitrogênio antes que eu consiga; e não há muitos deles neste solo, para começar. E não é apenas uma espécie fazendo isso, mas toda a comunidade evoluiu com essa estratégia, tornando o solo muito limitado para a sobrevivência de qualquer outra coisa”
“Este artigo abre novos caminhos surpreendentes”, disse o Dr. William Bond, professor de Ciências Biológicas da Universidade da Cidade do Cabo e coautor do estudo “Agora vemos que não são as propriedades intrínsecas do solo, mas os feedbacks das plantas ao solo que criam a limitação extrema para as mudas florestais. As raízes finas do bioma Fynbos são a arma subterrânea que cria condições extremas para plantas florestais exigentes em nutrientes. A imagem de uma raiz Erica espalhada por 15 campos de futebol, versus uma raiz de árvore florestal espalhada por apenas um único campo, é uma ilustração vívida de como a geometria da raiz pode influenciar radicalmente a aquisição de nutrientes abaixo do solo”.
As novas descobertas sugerem que estados estáveis alternativos podem ser mantidos por meio de mecanismos bióticos, como raízes competindo por recursos raros, além dos fatores abióticos comumente entendidos, como clima e geologia subjacente. Essa percepção é fundamental para a conservação de ecossistemas ameaçados em todo o mundo, observaram os pesquisadores.
“Como humanos, achamos que maior é sempre melhor: ‘Seja o mais produtivo possível’. ‘A competição faz as árvores crescerem mais’. Isso tem impulsionado a teoria biológica por mais de um século. Nossa pesquisa sugere que há uma estratégia completamente diferente aqui e que depende da manipulação do seu ambiente. Mantenha o solo extremamente limitado, queime todos os nutrientes que tentarem se acumular. Quero dizer, essas plantas não têm cérebro mas, com a evolução, é uma estratégia que funciona”, concluiu o professor Lars Hedin.
Acesse o artigo científico completo (em inglês).
Acesse a notícia completa na página da Universidade Princeton (em inglês).
Fonte: Liz Fuller-Wright, Universidade Princeton. Imagem: A flor endêmica Cyrtanthus ventricosus emerge após o fogo nos solos carentes de nutrientes do bioma Fynbos. Fonte: Dr. Mingzhen Lu, Universidade Princeton e Instituto Santa Fe.
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